terça-feira, 4 de novembro de 2008

DIGNO MAS NÃO SANTO

"São sempre interessantes as memórias dos embaixadores. O que não se espera é que alguém que ocupou essas funções que exigem uma enorme capacidade de avaliar os outros, como o embaixador João Hall Themido, caia no erro, tão comum, de achar que os heróis o são 24 horas por dia. As declarações do embaixador sobre Aristides Sousa Mendes são tão constrangedoras quanto a daqueles que subestimam o papel dos governos de Salazar no acolhimento aos refugiados ou que querem fazer de Aristides Sousa Mendes um antifascista quiçá um anti-salazarista. Claro que não o era. Nem o seu irmão que até foi ministro de Salazar. Conhecidos são também os pecadilhos de Aristides em matérias de gestão do consulado. Mas os heróis são mesmo assim como Sousa Mendes: são pessoas comuns, gente cheia de defeitos, frequentemente autoras de actos menos correctos na gestão do seu dia-a-dia e que, quando o destino as põe à prova, em circunstâncias que eles nem procuraram e às quais provavelmente até se teriam esquivado, caso pudessem, foram capazes de tomar decisões que os outros, tão irrepreensíveis, não ousaram."

Helena Matos, no Público, hoje

Estou inteiramente de acordo com Helena Matos o que não acontece pela primeira vez. Nunca regateei aplausos ao que me parece de aplaudir, venha de que quadrante venha. Não gosto da atitude "clubista"de apoiar só os da minha cor. Só mesmo no futebol...

O livro do embaixador

Fui avisado, há cerca de um mês, que iria sair um livro a "denegrir" Aristides de Sousa Mendes. No sábado, no Carregal do Sal, comprei o Expresso e vi a nota sobre um capítulo sobre Aristides. Fiquei tranquilo. Não me parece que o capítulo, na versão relatada do Expresso, "denigra" a imagem de Aristides. Será uma opinião negativa, incluindo o acto que causa admiração e respeito na maioria de nós. Mas é preciso ler o livro.

Afinal, e ao contrário das informações que tinha, não há investigação. Fico muito grato a quem me avisou pois sabia do meu envolvimento na causa de Aristides de Sousa Mendes. Fui sabendo ao longo da vida que Sousa Mendes era gastador, gostava de mulheres, da pompa, perfilhava as ideias do Estado Novo e de Salazar, era católico militante, indisciplinado. Para o nosso modo de fazer heróis tudo isso é muito negativo.Será que não chega o gesto de humanidade e solidariedade, que salvando milhares de vidas, o empurrou para a miséria e o esquecimento em vida? Será que os salazaristas, os pouco ainda activos, contabilizam este feito cruel de Salazar como uma acto de dignidade do ditador(zinho)? Um depoimento, entre os que estou a recolher, chamou a atenção para o facto, de já na fase descendente e em plenas dificuldades económicas, Aristides Sousa Mendes ter dado instruções ao caseiro para continuar com a sopa dos pobres. Este chamou a atenção para que seria difícil continuar com essa actividade, dadas as dificuldades crescentes. Mas Sousa Mendes terá reforçado a instrução: os pobres teriam que ter a sopa para matar a fome e a lenha para se aquecer. O gesto humanitário de Sousa Mendes não terá, assim, sido um acto isolado. Ao que sei, o cônsul não se queixava de Salazar, estando aliás convencido, durante muito tempo, que iria ser reconhecido, que o acto dele fora justo e adequado. Subestimou Salazar na sua intransigência e no seu apego ao exemplo: quem se opunha, sofria. E não era só nas masmorras do Aljube, de Peniche e do Tarrafal que se sofria. Também na Casa do Passal se verteram lágrimas. Mas nunca se perdeu dignidade. Até agora: mas neste momento está perdida pois todos deixámos a casa em ruínas.

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